“Cogito ergo sum”. A maioria dos
leitores já deparou-se com essa assertiva descartiana. Pouquíssimos, no
entanto, pararam para pensar sua origem, sua proposição e, evidentemente, suas
consequências.
Há
já mais de três séculos que nossa civilização presume que a coisa mais
importante seja o conhecimento. Seja para tornar-mo-nos sábios, imortalizados
pela literatura, pela simples curiosidade, pelo medo do além ou para demonstrar
que “não há Deus”, como parece ter-se tornado moda entre alguns professores de
uma determinada universidade renomada, nosso desejo, como homens ocidentais,
tornou-se escrutinar as infinidades do cosmo, os mistérios da vida, da mente e
da sociedade. E é exactamente isso o que vai nos destruir.
Não
é necessário ser nenhum experto em biologia ou moral para divisar, logo de
imediato, que a moral não tem nenhuma base empírica. Evidência disso são os
códigos mais loucos de moralidade. Já se viu de tudo sobre a face da Terra:
desde o “olho por olho, dente por dente” das Lex Tallionis até o “perdoai as
nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores” do Paternoster.
Nenhum deles, no entanto, tem uma base empírica, científica, com origens em
fenômenos físicos. Todos, absolutamente todos, são originados na abstração dos
homens.
É
evidente que não vamos aqui nivelar as leis de Talião e o que Nosso Senhor
prega no Sermão da Montanha (“bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a
Terra”, Evangélio segundo S. Mateus, 5:5); há códigos morais mais elevados que
outros, e isto também resulta evidente. Ou, pelo menos, deveria resultar.
Em
nossa busca como ocidentais pelas “verdades do Universo” (podemos colocar aqui
em cheque o método científico em outra ocasião), acabamos por esquecer-nos da
verdade mais simples de todas: a única coisa que realmente importa nesta vida
é, nos poucos anos em que nos foram dados para andarmos sobre esta Terra,
desfrutarmos da companhia dos nossos entes queridos conforme pudermos,
sacrificar-mo-nos por eles, criarmos nossa própria família, termos um propósito
na vida e estarmos dispostos a dar nossas vidas por este propósito e rezar a
Deus para que nunca precisemos chegar a tanto.
Para
os nossa civilização, no entanto, parece que o sentido da vida foi pervertido
mesmo para adaptar-se ao empirismo que já Sócrates divisava não só falso, mas
também deletério para toda a sociedade. Em nossa modernidade, o sentido das
coisas tornou-se efêmero, subjetivo, contanto que possa ser encontrado na
natureza. Uma noite de prazeres venéreos e uma vida de oração e penitência
equivalem-se. Entorpecer os sentidos tornou-se corriqueiro. Ora, uma sociedade
assim não pode subsistir.
Nada
pode ser mais ridículo que uma “moral baseada na natureza”. Supondo que
tenhamos evoluído, é evidente que já tentamos isso, pois os animais teriam sido
os nossos primeiros “nortes” morais. Quem não iria querer ser forte como um
leão ou um urso, rápido como uma gazela, destemido como um javali? No entanto,
os gatos comem os filhotes mais fracos, os cães comem suas fezes quando não as
podem enterrar e várias outras espécies cometem canibalismo e estupro. É
evidente que isto não são exatamente o que esperamos de “bússolas morais”. Porém, se fomos criados, o “norte” da moralidade não deve, é óbvio, ser
a natureza, mas o propósito pelo qual Deus que nos fez e Seus desígnios. Das
duas formas, a religião é superior à ciência, porque ou o homem evoluiu para
acreditar e aqueles que acreditaram tiveram maior taxa de sobrevivência ou
o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e por isso acredita. Entraremos
neste âmbito em outra ocasião. O que nos importa agora é sabermos que, das duas
formas, o homem ocidental moderno, com sua “auto-crítica”, nada mais é que um
remedo de homem, um ser degenerado e que busca na natureza uma racionalização
para a sua degeneração, e é por isso que os muçulmanos tornaram-se os “übermensch”.
Porque eles têm um norte moral rígido, sério, porque acreditam.
Qual
é a serventia de o homem, suponhamos, ter pisado na Lua? Ou de o homem ter curas
para determinadas doenças?
“A
resposta para a primeira”, diria o tolo, “é que agora estamos mais próximos da
compreensão do universo; a resposta para a segunda é que as pessoas morrem
menos e nunca antes na nossa história as pessoas morreram tão velhas”.
A
verdade, no entanto, é que a compreensão do universo nunca nos escapou mais.
Como já dissemos, as críticas ao método científico ficarão para outra ocasião,
mas já podemos adiantar o grande equívoco que o tolo comete ao pensar desta
maneira: de que serve compreender a formação das estrelas, sua extinção, a ação
gravitacional delas sobre corpos menores e até planejar viagens para astros
distantes se não formos capazes de subsistir? De que serve ter o conhecimento
do cosmos se não somos capazes de resistir aos bárbaros que, desde tempos
imemoriais nos perseguem, nos martirizam e nos aterrorizam? De que serve “sabermos”
essas coisas se tivermos que comer hambúrgueres de fezes ou de “carne de
laboratório”, e tornar-mo-nos animais inferiores com grande saber técnico? Em
que isso nos elevará como seres vivos e pensantes, com necessidades
psicológicas bem estabelecidas e diametralmente opostas a esta tendência
científica? Quanto à extensão da expectativa de vida, de que serve adiar o
inevitável? Deixaremos de morrer? Que bem há nisso? A ciência quer nivelar
todos os costumes e toda a moral como “relativos”. Tudo passa a ser subjetivo.
É evidente, pois para a ciência, o fim de todos os seres humanos é o túmulo.
Nada, portanto, que façamos, exerce influência sobre o mundo dos vivos, e os
vivos devem regular-se a si mesmos conforme melhor lhes aprouver.
Exatamente
essa é a distinção mais clara entre os ocidentais barbarizados hodiernos e os
bárbaros orientais: eles crêem. Com a crença, vem a mais
firme certeza do transcendente; de que a vida não extingue-se com a morte; de
que há recompensas para os bons e castigos para os maus; de que há justiça
no Universo.
A
despeito das vantagens que o consolo e o medo da punição trazem aos indivíduos,
a fé tem uma outra finalidade: a formação de um grupo, de sua identidade e de
seus laços para além da família. Toda a sociedade conhece as regras. “Se você
fizer isto, vai para o inferno”, não obstante, vem acompanhado de um crime
contra Deus ou contra o próximo. Sua cultura, portanto, permanece inalterada;
seus costumes e sua moral se elevam; toda a sociedade se beneficia.
“Por
que”, mais uma vez interromperia o tolo, “então são Países como a América e a
Inglaterra considerados ‘desenvolvidos’ e Países como a Arábia Saudita são
considerados como ‘subdesenvolvidos’? Não há algo de errado e falacioso em sua
missiva?”.
Decerto
não. Se formos, evidentemente, avaliar os Países pela sua renda per capita,
pelo poder aquisitivo ou pelo estilo de vida perdulário, certamente estes
constarão nas listas de nações mais desenvolvidas. No entanto, devemos
considerar a atitude psicológica em relação à vida e aos seus eventos. Os
muçulmanos são mais pobres, mas não se incomodam com isso. A pobreza faz parte
da vida, assim como a riqueza. Mesmo vivendo em Países predominantemente
pobres, são felizes. No ocidente, no entanto, a depressão é um mal terrível,
que assola tanto jovens como adultos.
Não
é de se admirar que as pessoas estejam mais tendenciosas à acídia em culturas
desesperançosas que lhes dizem (em mentiras crassas) que a morte é o fim de
todas as coisas e que todas as opiniões hão de igualar-se ao deitar-mo-nos em
um féretro e que isto já figura “facto científico”, ou em que determinados
professores expressam sua torpe opinião ao dizer que “certamente Deus é um
delírio”. O jovem, que então conta com toda a sua vida pela frente, vê-se desesperado
em um nível profundo: sente-se vazio. E, então, busca o preenchimento deste
vazio com algo que não lhe é natural: uns buscam o revivalismo de religiões de
outrora (sem mesmo compreender bem o que elas foram), outros buscam apaziguar a
inquietação nos prazeres venéreos, outros em espalhar sua desesperança entre todas
as pessoas, há os que tentam dirimir o vazio fazendo experimentos socialistas e
crendo que um “mundo melhor é possível” (sic) e, por último, mas não menos
importante, não é pequena a quantidade de jovens (e adultos) que buscam
justamente nestas religiões orientais e em outras, ainda, chamadas de “Nova Era”,
o preenchimento do vazio que nossa cultura falhou ao legar-nos.
O
senso de unidade, de compartilhamento, de cultura dos indivíduos muçulmanos os
torna menos propensos às nossas falhas. Eles detém, portanto, meios de acção
que nos fazem, a nós com nossas bombas atómicas e arsenal bélico indizível,
parecermos bichinhos de pelúcia. Eles podem mover contra nós um outro tipo de
guerra: a guerra pelo terror, não somente no sentido de possuírem extremistas
capazes de realizar actos bárbaros, mas de nos deixarem, como civilização,
temerosos de irmos contra eles.
Mais
uma vez, interromperia um tolo: “O que tu estás a pregar é o preconceito contra
os muçulmanos e outros grupos étnicos e religiosos e contra pessoas que têm um “estilo
de vida” diferente do teu.”
Mais
uma vez o engano e a parvície tornam-se evidentes. Em primeiro lugar, estamos a
escrever esta missiva justamente a criticar o modo de vida ocidental e a
elogiar o modo de vida oriental, o que não pode nos caracterizar como “preconceituosos”.
Em segundo lugar, esta missiva não é destinada contra o Islão, mas sim intenta
resgatar o arcabouço cultural da Cristandade, para fazer-nos melhores
servos de Nosso Senhor.
É
mais que óbvio, a esta altura, que o que propomos não é a conversão em massa
para uma religião que intenta contra nosso modo de vida e contra nossa
fé, mas sim que podemos aprender com eles como vivenciar nossa fé de
forma mais abrangente, sem separarmos nossa vida em “familiar, pessoal,
profissional e espiritual”, como parece ter-se tornado um lugar comum tão
importante em nossa sociedade hodierna. Não. O que propomos é que as pessoas unifiquem
os aspectos de suas vidas, a fim de vivermos mais coerentemente, pois a
nossa vida é uma só.
Em
suma: se você, caro leitor, não é cristão, abundam motivos para sê-lo; se é
ateu, abundam motivos para não sê-lo; se já é cristão, abundam motivos para
abraçar o radicalismo do Evangelho. Reforcemos os aspectos de nossa fé com uma
vida quotidiana que seja digna de um Cristão. Ao homem é dado morrer apenas uma
vez. Não desperdicemos essa oportunidade única de salvação, tanto de nossas
almas imortais como de nossa sociedade, com curiosidades que em nada hão de
acrescentar na nossa vida, ou a tentar fazer algo grandioso sem realizar algo
que, de facto seja digno de menção.
Paulo
H.P. Cunha