Por
Paulo H. P. Cunha
Não faz muito tempo, minha mãe me perguntou por que, com
toda a minha capacidade, eu não faço um concurso público e passo a ganhar algum
dinheiro com pouco trabalho. Insistia dizendo que minha inteligência deve ser
usada para ganhar dinheiro – e da forma mais fácil possível.
Este não é, nem de longe, um pensamento incomum entre os
brasileiros. Passar em um concurso público, tornar-se aspone do governo e
contribuir com todo o problema, ver toda a inteligência enterrada debaixo de
toneladas de burocracia, parece ser a vocação de qualquer que nasça nessas
terras descobertas por Cabral.
O que não entende, no entanto, a maioria de nosso povo é que
a inteligência é um fim em si mesmo e é, ela mesma, a recompensa de sua busca.
Uma pessoa inteligente é mais propensa, por exemplo, a identificar e tentar
erradicar problemas (muito embora isso não pareça verdade por aqui – onde toda
a inteligência é cooptada pelo estado para tornar as coisas cada vez mais
ineficientes, exceto a cobrança dos tributos). E eu identifico e reduzo todos
os problemas em quatro níveis: educação pública, saúde pública, segurança
pública e administração pública.
É claro, parece revolucionário para qualquer brasileiro, mas
eu garanto que isso não é qualquer novidade acima do outro trópico. Por aqui,
só vemos pessoas reclamando por mais educação, mais saúde – e de qualidade! –
mais segurança e por uma administração pública responsável, seja lá o que isso
quer dizer. Dizem os pobres coitados que sem brizolões, aqueles presídios
feitos para a juventude delinquir pelo detestável Darcy Ribeiro, seria
impossível que os pobres fossem alfabetizados, por exemplo. Mas esse seria um
discurso ideológico, muito mais que um discurso que atesta uma verdade?
Lembremo-nos do porco Napoleão. Assim que ele expulsa Bola
de Neve da fazenda, qual é a primeira coisa que ele faz? Pega os filhotinhos da
cadela para educa-los, e por um tempo ninguém os vê. Quando eles estão adultos,
no primeiro motim, são os filhotes, agora crescidos, que botam ordem na
fazenda, impondo terror nos corações dos outros animais. Eis o que querem os
que pedem “mais educação” (que, não raro, são professores). Pare e pense: onde
foi que você aprendeu que o problema é que no Brasil não tem educação pública
de qualidade? Eu poderia apostar – e certamente ganharia – que foi na escola.
Agora, pense: qual professor vai te dizer que ele é parte do problema? Qual
deles vai admitir que ele mesmo teve uma formação deficiente, que ele mesmo foi
muito mais doutrinado em ideologias que ensinado (veja o simples fato de Paulo
Freire ser considerado patrono da educação. Justo ele, que nunca educou
ninguém. E, antes dele, nosso “maior” educador ter sido Darcy Ribeiro, um homem
provinciano e com ideias pervertidas pelo socialismo. Um Brasil que ainda
estuda Vigotsky e Piaget, dois pedagogos que não são mais aceitos em lugar
nenhum no mundo, e por aí vai...)? Qual professor vai te dizer que é muito mais
útil que se aprenda a ler em casa e que, com o tempo, se forme uma elite de
verdadeiros pensadores, em vez de glorificarmos Valesca Popozuda? Antes disso,
é muito mais simples e fácil (até porque ele mesmo aprendeu assim) desviar a
sua atenção do problema real, de que há poucos professores bons e que, mesmo esses
poucos, são obrigados a doutrinar e não a ensinar nossas crianças em vez de educa-las
para o bom, o belo e a verdade? É muito mais fácil dizer que o Brasil é um
esgoto aberto porque não temos escolas o suficiente, mas tirarmos o direito dos
pais ensinarem em casa e de acordo com suas convicções.
E na área da saúde? Qual médico vai admitir que o problema é
que ele pode ter vários empregos no município, no estado e na união, não
precisa comparecer em nenhum deles para ganhar seu salário, e ainda abre sua
própria clínica para complementar seu dinheiro? Quem vai dizer que as UPAs (e
os hospitais e postos de saúde antes delas) não funcionam porque os médicos não
atendem e ainda têm um sindicato forte o suficiente para dizer que um médico de
UPA não pode receber por consulta (isso o obrigaria a trabalhar)? Qual médico
vai admitir que a sociedade ganharia muito mais se cada médico tivesse seu
próprio consultório (ou trabalhasse em um hospital particular), e as operadoras
não detivessem o monopólio do mercado de planos de saúde, como era na era FHC?
E na segurança? Qual policial vai admitir que jamais, em
tempo algum, haverá um policial para cada cidadão e que, se houver, o País
cairá sob o tacão da sociedade policial, como no romance “1984”, e todas as
liberdades civis serão suprimidas? Qual soldado das Forças Armadas admitirá que
elas estão à disposição do governo e que, portanto, elas não obedecem aos
melhores interesses da Nação, senão aos interesses do Presidente e depois do
Senado e que, desta forma, uma sociedade desarmada não tem ninguém que os
defenda da tirania, se esta for implantada? Qual soldado irá dizer que é do
melhor interesse do País que o estado não detenha o “monopólio da violência”?
Quanto aos políticos, embora pareça que nada precisa ser
dito, dados os últimos acontecimentos, esta assertiva fica só nas aparências,
mesmo. “Administração pública responsável”, grita a verborragia estatista. Como
se o problema fosse a responsabilidade do administrador, não a quantidade
mastodôntica de administradores e dos impostos e burocracia que eles criam. Se
toda a burocracia é uma forma de dificultar a vida do cidadão comum, e esta é a
única função do estado – diminuir a velocidade das coisas para que nada perca o
controle – e se as maiores inteligências do País esforçam-se apenas para entrar
nesta máquina esmagadora de gerar burocracia que é o funcionalismo público, não
é exagero pensar que, enquanto no Canadá, na América, no Japão e em toda a
Nação livre e próspera no mundo se pensa em soluções para cada problema, no
Brasil se pensa em problemas para cada solução. No ramo da telefonia, por
exemplo, não há muito tempo, uma determinada operadora oferecia serviço de
internet a R$ 0,50 ao dia. Uma outra resolveu oferecer serviço de mídias
sociais ilimitado. Qual foi a solução da maior operadora do Brasil? Criar um
portfólio à altura? Tornar os preços mais competitivos? Claro que não. Afinal,
estamos no Brasil, o País apaixonado por monopólios estatais. O que ela fez foi
processar as outras duas por “concorrência desleal” (eu não estou certo das
acusações feitas a nenhuma das duas sob este pretexto, mas tenho certeza de que
foram embasadas no aclamado “marco civil regulatório da internet”). E o
pior: ganhou.
O monopólio estatal é tão grande que o estado tem você.
Você é propriedade do estado. Se você quiser trabalhar, precisa ser pelo preço
que eles estipulam, sob as condições que eles impõe (mesmo que
você discorde delas), pelo tempo que eles determinam. Se você acha que
pode trabalhar por um valor maior, meu amigo, ledo engano. Você vai pagar
tantos impostos que, no fim, só vai te sobrar um salário mínimo.
Enfim, a única coisa que eu queria dizer com este texto é
que a crise no Brasil, antes de ser política, é de cunho moral. O
brasileiro se esqueceu do que é a liberdade. É claro que a solução para a crise
passa pela política. Afinal, com um governo socialista, vai ser impossível ter
qualquer nível de liberdade civil que seja suficiente mesmo para a dignidade
humana. Mas não é porque o problema passa pela política que a solução é inteiramente
política.
Da próxima vez que você disser ou pensar: “isso aqui é
Brasil”, lembre-se de que o Brasil é só um espaço geográfico. O
verdadeiro Brasil é você.